AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC: NADA NOVO DEBAIXO DO CÉU
Se você não sabe o que é BNCC, deixa que ela própria te explique:
…é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE).
É isso aí! O MEC baixou mais um de seus decretos, selou com o anel, e a onda agora no país é: adequação.
E as famílias e escolas cristãs? Bem, elas terão que pensar o que fazer, e eu recomendo muita sabedoria e oração. Afinal, embora as menções explícitas à ideologia de gênero e à orientação sexual tenham sido suprimidas da versão final — o que deixou muita gente animada à época da publicação — uma olhadela no documento é suficiente para deixar claro que a Babilônia continua ativa.
Na verdade, o simples fato de um documento relacionado ao conteúdo da educação ser baixado pelo Estado com caráter normativo já deveria deixar os cristãos de orelha em pé. Deus nunca deu ao Estado a prerrogativa de dizer o que as pessoas devem ou não saber, e, obviamente, não é em virtude de lapsos não intencionais que ele insiste em fazer isso. O impressionante é a passividade com que ao longo da história deste país [só para usar um jargão!] as famílias e a sociedade civil se curvaram às determinações pedagógicas ilegítimas do Estado. Talvez isso diga muito sobre nossas expectativas de redenção por aqui. Mas isso é assunto pra outro texto. Neste, o que me interessa é a educação proposta pela BNCC.
Um bom lugar para enxergá-la é o conjunto de “competências gerais da educação básica” — aquilo que, segundo o documento, todo homem deveria ter como conhecimento básico e que deve unificar o conteúdo e prática pedagógica na educação brasileira — que pode ser encontrado ainda na introdução do documento. Para economizar um clique de seu tempo ei-las aí:
Competências gerais da educação básica
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens — verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
10.Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Lendo essas competências é possível encontrar, isoladamente, conceitos que se assemelham à tradição cristã. E algumas vezes, a linguagem parece se aproximar tanto do cristianismo — “tomar decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” — que quase escapa um “glória a Deus!” Contudo, semelhanças linguísticas imediatas e semelhanças conceituais isoladas não são critérios adequados para a compreensão de um discurso. Se, de fato, queremos compreender um, é preciso considerar o seu todo, levar em conta o seu “contexto” ou a “narrativa” que ao mesmo tempo fundamenta e é expressa por ele. Quando olhamos para essas competências desta maneira, percebemos que elas sustentam uma visão de mundo bem contrária à fé cristã. Senão vejamos:
1. As competências expressam uma visão materialista da realidade
A primeira competência diz respeito aos conhecimentos necessários à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, e se refere a que dimensões da realidade esses conhecimentos dizem respeito. São elas: “o mundo físico, social, cultural e digital”. Essa enumeração é ilustrativa do fato de que a educação proposta pela BNCC não apenas ignora a existência de Deus e a importância da relação com Ele, mas a própria existência de uma dimensão transcendente e a importância da experiência religiosa [e até mesmo daquilo que, secularmente, costuma-se chamar de ‘espiritualidade’] para a educação do homem e para a vida social, que parece ser o limite de transcendência da proposta.
2. As competências expressam uma visão pragmática do conhecimento.
Esse é o resultado imediato da ontologia materialista na educação proposta pela BNCC. A segunda competência, por exemplo, trata da atividade intelectual na educação. Ela ignora completamente a dimensão contemplativa e relacional do conhecimento, ao sugerir que a atividade intelectual deve ser exercitada para: “investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas)”. O que é espantoso aqui é que, inclusive funções intelectuais como a curiosidade, a imaginação e a criatividade, são postas a serviço desse labor pragmático-científico-tecnológico. Na mesma direção, a sexta competência propõe que a diversidade de saberes e vivências culturais devem ser valorizadas para que o individuo se aproprie de conhecimentos e experiências que o possibilitem “entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida”.
São dois exemplos de como as competências propostas pela BNCC tem uma visão utilitária do conhecimento. Trata-se de educar, inicialmente, para o trabalho e, finalmente, para, através dele, oferecer alguma contribuição para a vida social, com ênfase na tecnologia [competências 2 e 5].
3. As competências sugerem uma ética subjetivista e uma visão relativista da cultura.
Diversas competências da BNCC se referem à tomada de decisão por parte do indivíduo. Não é difícil perceber como, consideradas juntas, elas promovem e estimulam uma ética autocentrada. A quinta competência, por exemplo, propõe que o conhecimento, a utilização e a criação de tecnologias digitais é importante para que o indivíduo possa “resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”. A sexta propõe que a valorização da diversidade de saberes e vivências culturais deve possibilitar ao indivíduo “fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade”. A oitava propõe a auto apreciação e a nona a auto imposição, por meio da expressão “fazendo-se respeitar”. É verdade que essas expressões — seu projeto de vida, liberdade, autonomia, protagonismo, apreciar-se, fazer-se respeitar — não são intrinsecamente más. Eventualmente, elas até poderiam ser utilizadas pelo discurso ético ou antropológico cristão, desde que ressignificadas e, em alguns casos, devidamente qualificadas [ex. autonomia relativa]. O problema é que, à parte de outras expressões que equilibrariam o discurso, ao enfatizar a unidade e a heteronomia por exemplo, elas constroem um contexto de autocentramento que é absolutamente estranho à antropologia e ética cristãs.
Algo semelhante acontece com a visão de cultura. Como nos últimos documentos oficiais, as palavras de ordem aqui são: diferença, diversidade, ausência de preconceito, respeito, etc. Essas também não são palavras intrinsecamente más. Longe disso! Mais uma vez o problema é o contexto. Onde estão, nas competências, as expressões que estabelecem limites para o diverso aceitável? Aliás, ao que parece, “limite” não é uma palavra que cai bem ao entendimento do documento, como se pode perceber na terceira competência, relacionada às manifestações artísticas culturais, que prevê fruição e participação em “práticas diversificadas da produção artístico-cultural”, sem qualquer restrição e, estranhamente, ignorando a liberdade individual fortemente defendida em outras competências, como mostradro no parágrafo anterior. E se eu não quiser fruir e experimentar? Não tenho o direito de fazê-lo sem ser considerado desrespeitoso ou preconceituoso?
Não sei exatamente como as famílias e escolas cristãs responderão ao que vem por aí. O meu objetivo com este texto é sugerir que devemos abrir os olhos e dizer que, embora as competências sugeridas pela BNCC possam apresentar conceitos isolados e, em algumas ocasiões, linguagem semelhante à da tradição cristã, a sua filosofia permanece a mesma que tem sido usada pela Babilônia nos últimos anos: ontologia materialista, epistemologia pragmática, ética subjetivista e multiculturalismo absoluto. Nada novo debaixo do céu!